domingo, 6 de fevereiro de 2011

O ELEVADOR DA GLÓRIA

O ELEVADOR DA GLÓRIA


Por decisão da CARRIS, a utilização do elevador da Glória, para quem não seja detentor do passe social daquela instituição, obriga à compra de dois bilhetes, no valor total de € 3,00, independentemente do cliente pretender fazer apenas uma viagem – para cima ou para baixo.
Esta decisão, que encheu de júbilo todos os lisboetas e, também, os turistas ou visitantes ocasionais desta cidade, é um paradigma sobre como agir para fazer face à crise que nos atormenta.
Esta medida ímpar – de vender bilhetes unicamente aos pares – ilustra quanto esta empresa pública de transportes se preocupa em mimar e educar os seus clientes.
Opondo-se às brejeiras campanhas do “pague um e leve dois”, com um inexcedível sentido de bom gosto e de modernidade, a CARRIS contrapõe “pague dois mesmo que só use um”.
Bem sabemos que os habituais invejosos recriminarão tal decisão, caluniando-a, torpemente, como uma medida para arrancar dinheiro ao consumidor contra a sua vontade.
Mas só a inveja pode alimentar tamanha calúnia!
O frequentador do elevador da Glória não pode ser confundido com o ordinário viajante que paga apenas um bilhete por trajecto – este limita-se, qual carneiro em rebanho, a seguir com os outros.
Ao invés, no elevador da Glória, o viajante tem o privilégio da escolha, livre e consciente, de só subir ou só descer, ou ainda de fazer as duas coisas, o que muito enriquece o património intelectual da humanidade.
Estamos certos que os turistas que nos visitam hão-de descrever esta experiência junto dos seus conterrâneos com entusiasmo indescritível, recolocando Portugal nas bocas do mundo, glorificando este fenómeno civilizacional.
Vaticino, assim, o próximo reconhecimento do elevador da Glória como monumento nacional e como um novo ex libris da cidade de Lisboa, ou mesmo de Portugal.
Esta minha convicção advém do facto da Torre Eiffel ser um dos símbolos de França e também aí se vender um só bilhete para os percursos ascendentes e descendentes, embora necessariamente por esta ordem. Resulta daqui provado que os críticos desta medida revelam, também, uma concepção provinciana deste novo modelo tarifário.
Nem se oponha que do alto da Torre Eiffel não se vai a lado nenhum, pois todos sabemos que a principal função dos elevadores é subir e descer.
Também neste aspecto o elevador da Glória leva a palma a outros monumentos do género. Ao terminar a subida (ou descida) o utente sai para a rua, fazendo o que muito bem lhe aprouver. Até pode com este bi-bilhete subir duas vezes ou descer duas vezes – é a liberdade em todo o seu esplendor.
Ou seja: é livre de escolher o seu percurso, não é enclausurado no elevador, mesmo que pretenda voltar ao lugar de origem.
Ora, tudo isto propicia a reflexão filosófica e permite-nos usufruirmos de raros momentos de reflexão introspectiva sobre a magna questão: porque tenho de pagar dois bilhetes se apenas quero fazer um trajecto?
Haverá algo de mais sublime, de mais profundo, do que isto?
Bem-haja à CARRIS por nos ter elucidado, de forma tão arrebatadora, sobre o pleno significado da expressão “serviço público”!

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